Vasco da Gama conta agora como foi a viagem da armada, de Lisboa a Melinde. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram maravilhados ou inquietos a costa de África, o Cruzeiro do Sul nos céus desconhecidos do novo hemisfério, o Fogo de Santelmo e a Tromba Marítima, e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto.
Fernão Veloso
Aportados na costa africana, os portugueses fizeram contacto com os povos nativos. Este aventureiro (estrofes 30 a 36), convidado para conhecer a sua aldeia, acompanhou despreocupadamente os anfitriões. Mas, percebendo as intenções assassinas destes, «Mais apressado do que fora, vinha», perseguido por um grupo.É um episódio também humorístico, pela bazófia do português. Depois de uma escaramuça para o salvarem, os companheiros fazem troça da sua fuga apressada, depois de, com tanta confiança, ter entrado pela terra adentro na companhia dos nativos. A isto ele responde que, vendo como tantos inimigos voltavam para atacar a praia, vinha a correr só para ajudar a frota, «Por me lembrar que estáveis cá sem mim».
O Adamastor
Podem-se considerar três partes no episódio do Adamastor: a primeira é uma teofania (estrofes 37 a 40). Chegados ao Cabo das Tormentas no meio da uma tempestade, os marinheiros avistam o titã, tão terrível que «Arrepiam-se as carnes e o cabelo A mi e a todos só de ouvi-lo e vê-lo». Aqui está o puro pavor, a ameaça iminente da aniquilação, fisicamente sentida - as carnes engelham-se, os cabelos crispam-se.O espectáculo é envolvente, grandioso, terrificante. Este semideus maléfico, encarnação dos perigos da arriscada travessia, precede-se de uma nuvem negra, que surge rasante sobre as cabeças dos navegantes. Mas mais surpreendente ainda é a orquestração que o mar faz com este elemento aéreo «Bramindo, o mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo». O lado maravilhoso desta aparição também é acentuado, fazendo contrastar todo o espectáculo de disformidade e gigantismo com o cenário precedente, onde são manifestos os encantos de uma noite dos "mares do Sul", «prosperamente os ventos assoprando».
Então começa a segunda parte do episódio (estrofes 41 a 48), que em termos cronológico-narrativos é uma prolepse. O Adamastor fala e, como um oráculo, vaticina o destino cruel que espera alguns dos navegadores que atravessarão os seus domínios. É uma forma inteligente de o poeta dos meados do século falar de acontecimentos do passado, mas que seriam futuros para o navegador do início do século que faz a narração.
Finalmente surge uma écloga marinha (estrofes 49 a 59), que obedece a um desenvolvimento comum a muitas composições líricas de Camões: o enamoramento (de Adamastor por Tétis, não correspondido), a separação forçada (pela titanomaquia), a traição, o lamento pelo sonho frustrado, do qual o sofredor é constante e eternamente recordado: «Enfim, minha grandíssima estatura, Neste remoto cabo converteram Os Deuses, e por mais dobradas mágoas, Me anda Ténis cercando destas águas».
Passado mais este obstáculo, os navegadores agora enfrentam a doença, particularmente o escorbuto, e um clima a que não estão habituados. Apesar de um acolhimento cordial dos povos da África do Sul, o desânimo também aumenta por não haver quem dê notícias sobre a Índia. Até que, depois de Moçambique e Mombaça, a narrativa termina com a alegria da chegada a Melinde.
O canto encerra com a admiração dos melindanos por toda a epopeia portuguesa, e a censura do poeta pela iliteracia dos seus conterrâneos. Pela boca de Vasco da Gama, que lhe empresta legitimidade, conta como os poderosos do mundo, especialmente gregos e romanos, eram amantes das letras. E lamenta que os seus contemporâneos desprezem a língua, a poesia e o cantar e louvar de heróis e povos.
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