quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Fernado Pessoa Heterónimo - Alberto Caeiro


Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 1889 e morreu em 1915, mas viveu quase toda a sua vida no campo, com uma tia-avó idosa, porque tinha ficado órfão de pais cedo. Era louro, de olhos azuis. Como educação, apenas tinha tirado a instrução primária e não tinha profissão.
Como surgiu este heterónimo? Conta o próprio Fernando Pessoa que “se lembrou um dia de fazer uma partida a Sá-Carneiro — de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num
dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive.”
Quando Fernando Pessoa escreve em nome de Caeiro, diz que o faz “por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever.” 
 
 
 
Sou um guardador de rebanhos. 
O rebanho é os meus pensamentos 
E os meus pensamentos são todos sensações. 
Penso com os olhos e com os ouvidos 
E com as mãos e os pés 
E com o nariz e a boca. 
 
Pensar uma flor é ve-la e cheirá-la 
E comer um fruto é saber-lhe o sentido. 
 
Por isso quando um dia de calor 
Me sinto triste de gozá-lo tanto, 
E me deito ao comprido na erva, 
E fecho os olhos quentes 
sinto todo o meu corpo deitado na realidade, 
Sei a verdade e sou feliz.
                         Alberto Caeiro 
 
 
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela, 
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela. 
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala, 
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança. 
Amar é pensar. 
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. 
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela. 
Tenho uma grande distracção animada. 
Quando desejo encontrá-la 
Quase que prefiro não a encontrar, 
Para não ter que a deixar depois. 
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela. 
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar. 
                                                             Alberto Caeiro 
 
 
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada 
E que os pés dos pobres me estivessem pisando... 
 
Quem me dera que eu fosse os rios que correm 
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
 
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio 
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo... 
 
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro 
E que ele me batesse e me estimasse... 
 
Antes isso que ser o que atravessa a vida 
Olhando para trás de si e tendo pena...  
                                                    Alberto Caeiro

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