quarta-feira, 13 de outubro de 2010

analise do poema "Cai chuva do céu cinzento"


Cai chuva do céu cinzento        a
Que não tem razão de ser.        b
Até o meu pensamento              a
Tem chuva nele a escorrer.       b

Tenho uma grande tristeza        c
Acrescentada à que sinto.          a
Quero dizer-ma mas pesa          c
O quanto comigo minto.            a

Porque verdadeiramente                 d
Não sei se estou triste ou não,         e
E a chuva cai levemente                  d
(Porque Verlaine consente)             d
Dentro do meu coração.                  E

Este poema conte tres estrofes: as duas primeiras são quadras (quatro versos cada uma) e a terceira é uma quintilha (cinco versos). O esquema rimatico nas duas primeiras estrofes é: ababa/caca/dedde, sendo a rima cruzada nas duas quadras e emparelhada na quintilha. Este recursso à organização das estrofes em quadras e numa quintilha denota caracteristicas da lírica tradicional em Fernando Pessoa ortónimo.

O poema "Cai chuva..." é um poema tardio de Fernando Pessoa ortónimo, datado de 15/11/1930 (recordemos que Fernando Pessoa morre em 1935). Como em muitos outros poemas do ortónimo (ou seja, escritos usando o seu próprio nome e não um pseudónimo ou um heterónimo), a temática está envolta num estado perdominantemente negativo, em que a própria natureza é acolhida dentro do ser como uma extensão de um estado de alma particular.

Observe-se, logo no inicio, o tempo nebuloso; os céus de tempestade são reclamados pelo “eu” poético para dentro de si próprio, estendendo o seu estado de alma para o exterior. "Cai chuva do céu cinzento / (...) Até o meu pensamento / Tem chuva nele a escorrer". O cinzento da natureza é o mesmo cinzento que o poeta sente dentro de si. O cinzento, entende-se como a cor da tristeza, do pesado, assumindo uma conotação disfórica.

Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.

Este valor de tristeza associado ao cinsento dos ceus é comtinuada nos versos seguintes: "Tenho uma grande tristeza / Acrescentada à que sinto". Ou seja, o cinzento do dia pesa-lhe no coração e é acrescentada à sua tristeza natural, a que ele sente no dia-a-dia.O sujeito poetico chega ao ponto de o exterior e o seu interior se confundirem entre si. Ao mesmo tempo, vemos como ele é sincero na medida em que nos diz que, por vezes, não assume aquela tristeza interior. Hoje encontra o paralelo no céu de chuva. "O quanto comigo minto" é reflexo de uma atitude de "deitar para dentro" as suas emoções, não as deixando sair, não as revelando a ninguém.  

Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.

A confusão com o que ele sente continua com uma expressão de dúvida: "Não sei se estou triste ou não". Talvez seja apenas o dia triste que o está a influenciar? Seja como for "a chuva cai levemente" dentro do seu coração. Verlaine era, para Pessoa, um tipo de escritor "para quem a arte é um refúgio, um modo de esquecer a vida; como um narcótico, um vício qualquer, um álcool" (in Teresa Rita Lopes, Pessoa por Conhecer, 1990).

Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não,
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.

O poema assume-se como uma espécie de poética letárgica, um poema dormente, caído a uma dormência que se equivale, de certa maneira, à do próprio dia cinzento e chuvoso. O mais importante nele é mesmo essa continuidade entre o sentimento interior e a realidade exterior, que se ligam pela proximidade do sentimento de tristeza. Assim o poeta consegue, de certa forma, compreender o que lhe vai no íntimo, sem olhar para dentro de si próprio.



Fonte: http://www.umfernandopessoa.com/an%C3%A1lises/poema-cai-chuva-do-ceu-cinzento.htm

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